As mediadas alcançadas pelo nosso Governo para fazer face à propagação do surto do novo Corona Vírus – Covid 19 – estão a ter um forte impacto no dia a dia das pessoas e das empresas, obrigando à paralisação total ou parcial dos serviços e da atividade laboral, que se têm traduzido, no essencial, numa generalidade de falta de mão de obra, escassez de recursos (muitos deles importados da China) e quebra notável de receitas.
Face a este cenário, é natural que a economia portuguesa e mundial se ressinta negativamente nos próximos tempos, especialmente ao nível do pontual cumprimento dos contratos em vigor. A Declaração do Estado de Emergência regulamentada pelo Decreto n.º 2-A/2020, de 30/03/2020, veio exigir a aplicação de medidas extraordinárias e urgentes ao nível da restrição de direitos e liberdades, nomeadamente ao nível económico, de forma a prevenir a transmissão do vírus, o que obrigou à suspensão temporária de vários sectores do mercado.
Através da presente Nota Informativa, pretendemos esclarecer qual o impacto da situação pandémica sobre o (in)cumprimento das obrigações contratuais, nomeadamente quando seja invocada a impossibilidade do cumprimento dos contratos por motivos de força maior ou por via da alteração anormal das circunstâncias.
Não existindo uma definição concreta na nossa lei, têm os Tribunais Superiores Portugueses entendido que por motivos de força maior deverão serão considerados os acontecimentos naturais ou motivados por ação humana que, embora previsível ou até presumido, não se pôde evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências. Ou seja, serão aqueles eventos que, de forma inesperada e imprevisível, impeçam o normal cumprimento das obrigações pelas partes.
Muitos dos contratos celebrados em Portugal preveem clausulas de força maior, através das quais as partes alteram a forma do cumprimento das suas obrigações ou simplesmente se desoneram do seu cumprimento em virtude da existência de acontecimentos inesperados enão controláveis, normalmente elencados de forma exemplificativa no contrato, tais como situações de terrorismo, desastres naturais, guerra ou até de epidemia.
No entanto, não basta alegar a existência de um acontecimento inesperado e não controlável, tornando-se necessário que a parte que invoca o motivo de força maior faça prova de que o acontecimento verificado (por exemplo, a epidemia) é a causa direta e suficiente para o não cumprimento do contrato, ou seja, que exista um nexo causal entre o acontecimento e o incumprimento.
Face à situação atual que a nossa economia vive e às determinações aplicadas por força do estado de emergência, podemos considerar que a situação de pandemia causada pelo Covid-19 poderá ser considerada um motivo de força maior.
Ao ser considerado um caso de força maior, a parte a quem incumbia a obrigação poderá ficar temporariamente impedida de cumprir com a sua obrigação ou definitivamente desonerada da mesma, sendo que, em ambos os casos, a parte prejudicada suportará os prejuízos desse incumprimento, podendo, contudo, usar de outros mecanismos que possam minimizar as suas perdas.
Em ambos os casos, deverá a parte que estava obrigada ao cumprimento da prestará notificar por escrito a outra parte sobre os motivos do incumprimento.No caso de ficar temporariamente impedida de cumprir com a sua obrigação, a obrigação não se extingue, podendo a outra parte aceitar uma modificação temporária das condições em que contrataram, tal como a redução do preço ou a extensão do prazo de entrega de
bens ou serviços. Para que produza efeitos, no caso de ficar definitivamente impedida de cumprir com a sua obrigação, poderá qualquer uma das partes resolver o contrato por perda de interesse no negócio, não existindo igualmente qualquer obrigação de indemnização a contraparte.
Por outro lado, a situação atual em que vivemos derivada do surto pandémico com a consequente declaração do Estado de Emergência poderá também determinar uma alteração das bases do contrato, entrando então a figura da alteração anormal das circunstâncias.
O nosso Código Português estabelece que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Para que se verifique uma alteração anormal das circunstâncias, é necessário que (i) as condições em que se decidiu contratar se tenham modificado (ii) de forma anormal (iii) e que a exigência do cumprimento da obrigação afete de forma grave o principio da boa fé contratual, não estando a situação ocorrida coberta pelos riscos inerentes ao negócio. Ou seja, é necessário que a alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, e que motivou o incumprimento da obrigação, tenha ocorrido em momento posterior à sua celebração, podendo tal alteração resultar de mudança da legislação existente à data do negócio, acontecimentos políticos ou modificação repentina do sistema económico vigente, como é o caso presente. Essas situações serão aquelas sobre as quais as partes contratantes não construíram quaisquer representações mentais da sua possibilidade, mas que são de qualquer modo imprescindíveis para que, através do contrato, se atinjam os fins visados pelas partes. Desta forma, a parte impossibilitada de cumprir com o seu contrato, por alterações relevantes e imprevisíveis decorrentes das medidas lançadas pelo Governo para combate da propagação do Vírus, que não se alterarão a curto e médio prazo, poderá recorrer a mecanismos que previnam uma situação insustentável e até injusta de incumprimento. Esses mecanismos serão a resolução do contrato ou a modificações das condições nele estabelecidas.Independentemente das soluções apresentadas, qualquer decisão que seja tomada obrigará a um estudo exaustivo e análise prévia de cada contrato e a existência de uma relação causal entre o seu incumprimento e as circunstâncias verificadas